domingo, 29 de novembro de 2009

Não deixe minha mãe saber

Mamãe nunca soube, mas ele era amigo de papai.
Bem, não sei nem como elucidar. Daniel foi muito amigo de Keniti quando ele ocupava o corpo de Kotani, por isso eu tenho dificuldades em chamá-lo de “pai”. Meu pai foi, por quinze anos, Axel, o companheiro de minha mãe. Nada tenho a ver com Kotani, ainda que Keniti esteja em seu corpo.
Como as coisas são estranhas...
Conheci-o pouco depois do descongelamento. Ele estava furioso e Keniti nem consegui recordar-se porquê. Com o tempo ele se acalmou, mas Keni ainda não o queria por perto. Eu já o tinha visto antes, quando ele salvara mamãe, Karine, naquela tarde que ela já não sabia mais o que fazer da vida. Daniel fora como um anjo, retirando-a das águas gélidas. Dei-lhe as bolitas que eu brincava desconhecendo seu potencial. Se uma delas se quebrasse em minha mão, talvez eu não estivesse aqui agora!
Eu percebia como seus olhos brilhavam e como ele murmurava que éramos diferentes, apesar de tudo. Ficava eu muito envergonhada até de falar. Vernam, a babá, não o olhava com o cuidado de sempre, ela só não gostava de nos ver juntos.
Como ele podia ser um velho amigo de Keni se ele parecia tão jovem? E insano...
Numa tarde fria, com o sol dourando o horizonte, ele me pegou pela mão. Estremeci. Ele podia ser engraçado, era assustador encarar seus olhos e ver mais do que eu desejava ver nos olhos de um homem...
Eu o viajava, atenta a qualquer movimento. Seguíamos pela trilha no bosque que levava a uma fonte natural de águas quentes. Do meio da fonte uma porta iluminada surgiu. Eu podia ser coisas do outro lado. Mas não eram as árvores do bosque...Resisti um pouco quando ele me puxou lá para dentro. No princípio a luz cegou-me e senti-me perdida. Mas eu logo reconheci uma Volund diferente. Não tinha nenhuma casa e sim muitas árvores. mas de longe se ouvia som de música.
“Confie em mim”. Eu não hesitei em seguí-lo por onde fosse. Vagamos a noite inteira a cavalo até que eu percebesse que o espaço percorrido não caberia de jeito nenhum em Volund! Descansamos um pouco e aproveitei mais a viagem no dia seguinte. Como a paisagem era bela! Nunca vira coisa semelhante, nem aqui nem no continente!
Daniel logo encontrou alguns amigos e me esqueceu. Ao contrário dele, os amigos estavam envelhecidos, alguns curtidos pela idade. Exceto por uma mulher de olhos tão bonitos, mas que insistia em escondê-los. Ela saíra de um mosteiro algum tempo antes e logo estaria de volta, viera apenas visitar um amigo mal de saúde. Juro que o tal parecia um pouco com Kenji, mas foi uma repentina impressão.
Estava exausta.
A notícia de que Daniel retornara percorria o vilarejo. Causava-me um mal-estar os risinhos maliciosos de algumas mulheres. Baixei a cabeça e segui Daniel porta afora. Era a cabana que um dia pertencera a ele. Descobri que o vilarejo era na verdade um acampamento das partes neutras durante a guerra em Outside (que ninguém antes tentara me explicar). Não havia luz elétrica, somente lampiões, e acredito que a situação fosse a mesma para onde quer que fosse.
Não sabia para onde estava indo, seguia cegamente a Daniel. Novamente, ele me encarou e murmurou mais algumas coisas como de costume. Eu não tinha visto que uma mulher esperava por nós...
Ficamos ambas silentes, uma frente a outra. Ela sorriu e eu notei que ela era muito parecida comigo, como se fosse uma irmã gêmea. Logo ela esqueceu-se de mim e voltou-se para Daniel. Quis sair, eu não tinha nada a ver com a situação. Pedi licença para deixá-los a sós. Novamente, ela voltou-se para mim e aproximou-se, deu-me um beijo. ra tão estranho que eu quisesse fugir mas estivesse apreciando o tempo todo estar com ela. Era como beijar um espelho. Lembro-me de pouca coisa, estive muito próxima a ela, e depois viera Daniel.
Acordei na manhã seguinte sem compreender nada. Chamei por minha mãe e por Vernam, mas ninguém atendeu. Iluminei pobremente o local, acordando também os dois. Estive perplexa por uns instantes, a ponto de escapulir. Mas Daniel não deixaria. Cobriu minha boca com um beijo e disse que não me deixaria mais.
“Não, não! Eu preciso voltar!”
Fora difícil convencê-los que eu precisava mesmo voltar para casa,, para minha mãe e para Vernam. E mesma estive a ponto de desistir. “Como é que eu poderia viver sem você agora?”, murmurei para ele. “Se eu soubesse antes... É coisa que eu não devia ter-lhe ensinado...”
Novamente, estava eu nos braços de Alexia, coisa que eu jamais em minha vida teria pensado se continuasse vivendo em Volund. Mas esse não era meu mundo e sim o de Daniel. Abandonei sofregamente minha “irmã gêmea” e refiz o caminho para o portal de Volund. Daniel me acompanhou pensativo durante a maior parte do trajeto. Talvez ele soubesse que isso era coisa que não devia nunca ter acontecido. Certo trecho do percurso ele empalidecera, puxando as rédeas de seu cavalo, mas logo recobrou suas cores normais.
E era tão diferente sem Aléxia. Eu sabia que também começaria a amá-lo, embora o sentimento fosse pequeno frente ao que sentia pela minha “irmã gêmea”.
Daniel abriu o portão iluminado e eu podia ver a água cristalina da fonte. Ele não quis me levar através dela, imaginei que teria mudado de idéia. “Tenho medo do que possa ter feito. Cuide-se, Chizuko.”
Assim, fiquei apenas uma semana em Outside — sem perceber— e voltei carregando Eve... Como eu já disse, mamãe jamais soube quem era o pai de Eve... e que também era o pai de Adam.

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