quinta-feira, 9 de junho de 2011

Desenvolvendo personagens

Slam Dunk, de Takehiko Inoue

"Venho tendo problemas em criar personalidades dos meus personagens, pois quero algo que os diferencie na história, mas que os façam ser parecidos como no mundo real. Tem alguma dica sobre um jeito fácil de criar diferentes personalidades que se complementam e enriquecem a história?" (lostchan)

Basicamente, é possível fazer os personagens com personalidades bem distintas e reuni-los através de um conflito ou objetivo em comum. O ideal é fazer uma ficha completa de personagem, com dados biográficos e psicológicos dele. Algumas pessoas podem achar que é um exagero, mas a bagagem cultural adquirida é o que molda a personalidade de uma pessoa e influencia em suas decisões. E um personagem deve ser encarado como uma pessoa! Uma vez que você saiba exatamente qual a posição e orientação de seu personagem, fica infinitamente mais fácil saber o que ele fará em seguida para dar continuidade a história sem parecer que as coisas foram facilitadas.

Aqui, uma ficha biográfica de personagem, do site ZAP!HQ:

Mas como fazer um personagem coerente e que pareça uma pessoa do mundo real?

" Um personagem real, como uma pessoa real, não é apenas um traço, mas uma combinação única de muitas qualidades e impulsos, alguns deles conflitantes. E quanto mais conflitantes, melhor. Um personagem dilacerado por forças opostas, que o puxam em sentidos contrários para o amor e o dever, já nasce interessante para uma platéia. Um personagem que tenha uma combinação única de impulsos contraditórios, como confiança e suspeita, ou esperança e desespero, parece mais realista e humano do que outro que apresente apenas um traço de caráter.
Um Herói bem construído pode ser decidido, dispersivo, encantador, esquecido, impaciente, forte de corpo mas fraco de coração, tudo ao mesmo tempo. É a combinação especial dessas qualidades que dá à platéia a noção de que o Herói é único, uma pessoa real, e não um tipo." (Christopher Vogler, A Jornada do Escritor)

O que caracteriza uma pessoa no mundo real? Ela tem qualidades e defeitos. Ela pode ser forte em esportes, mas não sabe nada de matemática. Pode ser o melhor atirador mercenário, mas tem medo de altura. É a líder da turma, mas não se importa com o bem estar da turma, apenas com a promoção de sua própria imagem – e é odiada pelos colegas. E assim por diante. Um personagem bem construído pode ser impulsionado por características conflitantes (um ladrão com senso de justiça que rouba de ricos para dar aos pobres) ou um defensor da justiça que em muitas ocasiões beira a marginalidade em suas atitudes (Batman).

" Personagens que não têm um problema interno parecem chatos e superficiais, por mais heróicos que sejam em suas ações. A fim de evitar essa impressão, é preciso que esses personagens tenham um problema íntimo, uma falha de personalidade ou um dilema moral, para que funcionem bem. Precisam aprender algo, no decorrer da história: como conviver com os outros, acreditar em si mesmos, enxergar além das aparências. O público adora quando um personagem aprende, cresce e enfrenta os desafios internos e externos da vida." (Vogler)

O importante é equilibrar qualidades e defeitos, para que seu personagem não seja um chato. Ele precisa ter alguma lástima, mágoa, falha de caráter ou apenas um hábito ruim que vai ter que enfrentar. Esses defeitos  podem em muitas ocasiões impulsionarem a história ou causar enormes dificuldades, e lidando com eles o personagem aprende e cresce ao longo da história. Sem esse crescimento, essa mudança, o personagem é só uma figurinha. Não se esqueça também que o que move a história é o conflito e um personagem bem resolvido ou sem dilemas não terá muitos desafios a encarar. Além disso, adolescentes estão permeados por intensas dúvidas. Esta é uma fase particularmente tensa na vida humana e por isso é tão explorada em muitas histórias, principalmente em histórias de fantasia.
" Para humanizar um herói ou um personagem, dê a ele uma ferida, um machucado visível e físico, ou um ferimento profundo e emotivo. O herói de Máquina mortífera, representado por Mel Gibson, tem a nossa solidariedade porque perdeu a amada. Esta dor o faz ser suscetível, suicida, imprevisível e... interessante. Os ferimentos e cicatrizes de um herói marcam as áreas em que ele se resguarda, é defensivo, fraco e vulnerável. Um herói pode também ser superforte em algumas áreas, como uma forma de defesa para as áreas machucadas." (Vogler)
A marca visual, como uma cicatriz, algum membro ausente ou qualquer outro tipo de mutilação,  funciona também como uma recordação de um momento de fraqueza, quando o personagem teve seu corpo vulnerável, sendo ou não poderoso no momento em que a adquiriu. Pode lembrá-lo de uma falha, um golpe mal executado, um inimigo mais poderoso ou uma mulher arredia. Nos casos extremos de mutilação, pode ser demonstrado como um braço abandonado para que o indivíduo possa escapar (Zul´Jin), continuar lutando (Gatts/Guts) ou uma literal permuta pela vida (Edward Elric). Cuidado, pois nem todos os membros podem sofrer mutilações sem que o personagem morra! Alguns procedimentos só podem ser executados sob orientação médica, então não faça seu personagem arrancar deliberadamente a perna ou ele morrerá de hemorragia (rompimento da veia femural). Esses exemplos são bastante exagerados, mas mostram bem como a cicatriz é encarada em histórias com fundo mais agressivo ou enredos de ação.

No entanto, essa cicatriz pode ser uma sutil ferida em sua personalidade, algo que não está visível aos olhos. Vogler sugere que esta cicatriz pode ser algo que apenas personagem e escritor saibam, sem revelar ao publico o que é. Alguns eventos traumáticos podem não deixar cicatrizes evidentes, e sim marcas ou bloqueios mentais. Vou tomar o próprio Bruce Wayne (Batman) como exemplo: ao contrário de muitos heróis do cenário da DC, ele é um humano comum. Possui um condicionamento físico obtido por treinamento constante e apetrechos tecnológicos obtidos através de sua riqueza. Quando veste seu uniforme, persegue bandidos e malfeitores que a polícia comum não quer ou não consegue prender. No entanto, seu métodos incluem tortura psicológica e em muitos combates ele está prestes a dar cabo da vida de seus adversários. O que o impede? Talvez a memória do assassinato de seus pais, uma tremenda cicatriz emocional no personagem, o impeça de matar, mesmo que a vítima seja o seu arquiinimigo, o Coringa.

Numa história de romance (ou num shoujo), essa cicatriz pode ser um relacionamento mal resolvido no passado ou a incapacidade de confiar entrar em um novo. Com certeza, serve ao propósito de impulsionar a história, proporcionar assunto e oportunidade de crescimento do personagem, quando ele enfrentar seus próprios medos e falhas.

Observe agora esta imagem:


Dá pra perceber bem que a "Mary-Sue" não tem conflitos ou problemas, ou seja, não há oportunidade de crescimento. Um história com esse tipo de personagem vai satisfazer apenas o ego do autor, pois é improvável que alguém queira ler a saga de uma heroína perfeita. Quero dizer, ela poderia ter inúmeros poderes colossais, desde que tivesse problemas ou conflitos igualmente colossais. Super poderosa mas come carne humana, por exemplo. xD Sei lá, não imagino corretivo pra um personagem tão escroto, desculpe-me.

Aqui tenho um teste para saber se seu personagem está equilibrado em qualidades e defeitos:

Além disso, recomendo que todo escritor/roteirista leia "A Jornada do Escritor" (Christopher Vogler). É muito bom para compreender certas fórmulas responsáveis pelo sucesso de centenas de histórias já contadas pela humanidade.

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